Por Elio Gaspari. Publicado no Jornal "O Globo" de 25 de abril de 2010.
O prefeito Eduardo Paes anunciou a construção de 170 prédios com 3.400 apartamentos de 42,6 metros quadrados no bairro de Triagem. Neles serão instaladas cerca de 13.500 pessoas que vivem em favelas da cidade. Há muito tempo não saía do Rio de Janeiro uma notícia tão boa. A área fica a 15 minutos do Centro, próxima às linhas de trem, e Paes promete um projeto urbanístico que integre os prédios ao bairro, livrando-os da maldição dos conjuntos habitacionais. Se fizer isso abrindo um concurso público, o Rio poderá ganhar mais um marco arquitetônico.
A transferência desses cariocas para um bairro vivo, com comércio, serviços e transportes próximos, desdenha a demofobia que há um século se esconde na discussão do futuro das favelas. Não se trata de tirar cidadãos de um lugar, mas de saber para onde eles irão. Afinal, a maioria dos moradores da Avenida Vieira Souto aceitariam ser removidos para Park Avenue, em Nova York.
O economista Sérgio Besserman, presidente do IBGE durante o tucanato, deu uma entrevista ao repórter Oscar Cabral defendendo as remoções de favelas e exemplificou suas virtudes: "A lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal da Zona Sul carioca, é um caso emblemático dos aspectos positivos que podem se seguir a uma renovação. Quando a favela foi retirada dali, em 1970, os imóveis da região, cujos valores vinham sendo depreciados, inverteram a curva e passaram a se valorizar".
Certo, mas faltou dizer onde terminou a curva dos moradores da favela da Praia do Pinto. Eles foram mandados para Cidade de Deus, símbolo internacional da depreciação do Rio de Janeiro, produto emblemático do urbanismo demófobo. A favela não foi removida de acordo com uma política pública. Numa noite, a comunidade foi incendiada, provavelmente por Nero, o imperador que limpou Roma.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
"Cidade de Deus, nunca mais"
sábado, 1 de maio de 2010
Feijoada completa
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5CnDEQyZyaWEAriD1ir-N1hhXQWUX2gIP9v7MWsiIBGC8T1Jgq037aosxU5olDD6uEEn2L5JaOaNX2NAm-fm1CyJUoF_5ai9HP-imeUA6ngvU9yotuRaiYU1z6R8FqrBWbh04PkPsuYo/s320/feijoada.jpg)
Com início às 13 horas, a feijoada começa a ser distribuída no mesmo momento em que um grupo de músicos da própria comunidade começa a batucada. A comida é servida em pratos que custam R$ 10. Nos intervalos da roda de samba, são exibidas fotos do Chapéu Mangueira captadas por Gabriel Paiva, fotojornalista do jornal "O Globo".
A feijoada tem um motivo nobre: a renda adquirida com o evento é encaminhada aos projetos sociais que tentam melhorar a vida da comunidade, ou seja, ao curtir seu domingo entre gente positiva e de bem com a vida, o folião estará contribuindo para a promoção do bem-estar de todos. Vale a pena.
Viva, favela!
ATENÇÃO! Se você está aqui porque anotou o endereço do blog divulgado em cartazes espalhados pela UFF, seja bem-vindo. Minha ideia é divulgar a favela e sua gente positivamente, falando não só do presente como também relembrando o passado das comunidades. Leia, comente e colabore com críticas e sugestões. E ajude na divulgação do blog!
O cinema nas favelas
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Cenário comum no cinema brasileiro - que, desde a década de 1950, retrata o cotidiano nas comunidades cariocas -, a favela já foi mostrada de diversas formas: como lugar idílico, caldeirão cultural e, mais recentemente, como espaço onde imperam a violência e o tráfico de drogas. A instalação das UPPs, no entanto, tem modificado drasticamente o dia a dia dos moradores desses locais. Resta saber se os cineastas estão interessados em mostrar a paz e a felicidade que reinam em favelas pacificadas desde o ano passado.
No Morro da Babilônia, que serviu de cenário para "Tropa de Elite" e foi documentado por Eduardo Coutinho em "Babilônia 2000", uma iniciativa muito interessante ganhou espaço na mídia na última semana. Situada no Leme, Zona Sul da cidade, a comunidade acaba de inaugurar um cineclube e um curso de cinema. Trata-se do "Cinema Comunitário", projeto de Wallace Meirelles e Melina Guterres que conta com o apoio do Oi Futuro. A iniciativa, que também atende os vizinhos que moram no Chapéu Mangueira, tem tudo para dar certo.
Na segunda, dia 26 de abril, a sala da Associação de Moradores estava lotada de gente interessada em participar da empreitada. Houve uma palestra sobre cineclubismo com Calebe Pimentel, um entendido no assunto. Outras ideias que começaram assim hoje são respeitadas mundo afora, como o "Nós do Morro", que leva teatro, cultura e protagonismo aos jovens do Vidigal, e a "Cufa", que tem no rapper MV Bill seu defensor mais importante.
Vale a pena lembrar que, até o final da década de 90, existiram iniciativas isoladas nas comunidades do Rio que divulgavam filmes e promoviam discussões. Havia cineclubes nas comunidades da Maré, Alemão e Cidade de Deus, por exemplo, mas a violência provocada pela instalação do tráfico de drogas nesses locais fez com que a boa troca de ideias perdesse cada vez mais espaço. Matéria do "Favela tem Memória" recupera essa história: http://www.favelatemmemoria.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from%5Finfo%5Findex=6&infoid=104&sid=7
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Liberdade ainda que tardia
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Até 2008, muitos dos morros cariocas eram inacessíveis ao pessoal que pratica escalada, mas, com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), os costões de favelas como Dona Marta, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, Cabritos e Chapéu Mangueira, por exemplo, voltaram a ser desafiados pelos aventureiros de plantão.
A vista lá de cima é deslumbrante. Quem já subiu depois da pacificação das comunidades da Zona Sul recomenda a escalada aos amigos, até porque a história era bem diferente na época dos traficantes. Os escaladores tinham que pedir permissão para enfrentar os paredões, e não era comum ficar no meio do fogo cruzado. Além disso, as vias tinham nomes relacionados ao crime e à violência, como Banda Podre, AR-15, Vietnã.
Os escaladores esperam que, com a pacificação chegando à Tijuca, será possível explorar os morros da Zona Norte, como o Turano, a Mangueira a o Salgueiro, de onde é possível ter uma vista bem diferente da cidade.
Aos interessados, uma dica importante: a melhor época para a escalada No Rio vai de maio a outubro, quando a temperatura é mais amena e os riscos de chuvas fortes e trovoadas são menores.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
As UPPs e o turismo
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No projeto, está prevista a instalação de dois teleféricos e um plano inclinado na região. O governador comparou a área portuária do Rio à Montmartre, bairro boêmio de Paris.
Curioso: em vez de valorizar a favela no que ela tem de particular, ou seja, suas vielas, seu povo, sua cultura, Cabral prefere compará-la a um bairro europeu que sequer tem vista para o mar.
O governador também aproveitou a inauguração para anunciar a chegada das UPP's ao bairro da Tijuca. As movimentações para ocupação da favela do Borel começam ainda nessa semana. Só falta ele dizer, na próxima inauguração, que a vista do Borel (de onde é possível ver o Maracanã, a Floresta da Tijuca e quase toda a Baía de Guanabara) se parece com o visual de Punta del Este, no Uruguai, só para atrair os turistas que gostam de cruzeiros por mares do Sul.
domingo, 25 de abril de 2010
Sobre chuvas e remoções
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsmSj_c66qpIzsNCO0NNxsTFGOtxWHOnZ1ZoIth2TxSitNNORlkTDfN88BN_soU2NJwfkDJbjUyZ-NiFwG9kBVOs4EMNVbsULr2-BGSFOTvgqE1Qy_9YvvnzFGV4drx4Lt9I68hhsBr4M/s320/cidade_de_deus_1971.jpg)
As recentes chuvas que provocaram centenas de mortes na região metropolitana do Rio e deixaram milhares sem ter ondem morar levaram o prefeito Eduardo Paes (PMDB) a defender as remoções. De acordo com a proposta, as pessoas que moram em áreas de risco seriam transferidas para terrenos onde serão construídos condomínios com apartamentos para a população de baixa renda.
Em 1966 e 67, duas enchentes históricas mataram quase 600 pessoas na cidade, todas vítimas da falta de planejamento urbano que contribui para a expansão das favelas. A Cidade de Deus, em Jacarepaguá, foi um dos empreendimentos construídos pelo poder público para alojar os desabrigados pelas chuvas.
Com o tempo, o que foi propagandeado pelos políticos como projeto de urbanização foi abandonado pelas sucessivas trocas de comando no governo local. Rapidamente, a Cidade de Deus tornou-se um inferno para os moradores, como mostra o filme homônimo de Fernando Meirelles.
Em artigo publicado ontem no jornal "O Globo", as pesquisadoras Mariana Dias e Cleonice Dias relativizam a necessidade das remoções, que já estão se tornando tema de propaganda política dos postulantes a algum cargo nas eleições desse ano. Para elas, "quando famílias são arrasadas em consequência da falta de política habitacional, a causa da tragédia torna-se óbvia e sua resolução urgente. A matemática é lógica: se a média de natalidade não está aumentando, por que o crescimento das favelas é maior que o crescimento da 'cidade formal'? Porque não há alternativas para moradia para pobres e a demanda se acumula. Famílias não optam por morar em área de risco porque são suicidas, mas porque não têm escolha".
Leia reportagem do site "Favela tem Memória" sobre a remoção da favela da Praia do Pinto, no Leblon, em meados dos anos 1960, e tire suas próprias conclusões sobre a eficiência da política de transferência dos pobres de áreas com alto potencial de especulação imobiliária para lugares vazios e sem infra-estrutura em transportes e serviços:
http://www.favelatemmemoria.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from%5Finfo%5Findex=6&infoid=84&sid=4
sábado, 24 de abril de 2010
Gringo na laje, parte II
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiunBUFOAq-SHcauWSF9VO8465R6fihMc-8dRXSd4biXdXRnQL5mr4grsq476hCM6BGhi3H2KmLIbgZqCDUx6t-W9kY2qRkB5fnKtph2AZvQldfPpKRFO8sOdZ8gJrMZ_WfTfNwNhTUmlA/s320/tavares_bastos.jpg)
Foi na Tavares Bastos, também, que repórteres dos jornais "O Dia" e "Meia Hora" flagaram, em 2008, a ex-Mulher Melancia posando para a revista "Playboy".
Lá, existe um lugar chamado The Maze (o labirinto, em inglês), criado por Bob Nadkarni para servir como clube e pousada. Ele trocou o cinza da ilha britânica pela exuberância de cores do cenário carioca.
Os gringos sobem o morro para ter uma vista privilegiada do Rio e curtir um jazz. Na The Maze, rolam jam sessions memoráveis. A mistura é total. Há jovens da classe média, estrangeiros que querem voltar para casa dizendo que conheceram a favela - e, principalmente, o pessoal da comunidade.
Leia reportagem na revista "Palma Louca" sobre a noite musical na The Maze: http://www.palmalouca.com/artes/artes.jsp?id_artes=555
Clique no link abaixo e veja reportagem produzida pelo Afroreggae para ser exibida no Canal Futura:
http://www.youtube.com/watch?v=Vov4iLQ9Eww&feature=PlayList&p=3DFAD98BAF0A99B5&playnext_from=PL&playnext=1&index=12
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Gringo na laje
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSD7Si9F14m1-KO3OqmN0VcoxhASGAAESZGWJ0d8QGFtO3wefE8IY1OZrsgcTlv6Vc0zEA3kyQH1sFUjJfIC-Wi9WeNFmOC1rLch2TUmvoCipTksCYaJcuzI9txjeyDnylrBXxXg227q0/s320/michael-jackson.jpg)
Para a pesquisadora Bianca Freire-Medeiros, autora de "Gringo na laje: produção, circulação e consumo da favela turística", publicado recentemente pela FGV, Michael Jackson foi o precursor de uma moda que tornaria a estética da favela valorizada internacionalmente.
No guia Lonely Planet, o passeio às comunidades é recomendado ("desde que as empresas garantam a segurança"). Entre nós, brasileiros, a favela é o quê? No livro, os próprios moradores afetados pelo turismo da "pobreza turística" respondem à pergunta.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
A cidade-piloto e as cidades satélites
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMN6E_SY9x5xVpSd_tEaiCK-kD-IN6vCgAFGcJaeydXxrA0yxXbpCeQBlu7bbz-zTfGCLzIZ1-6f_ZBOxsAw4sG3m1de2E6-BPnLxOx7Qva1_OGE7p7y81QAD3a0Zwq7gm6F9HfKK845U/s320/brasilia.jpg)
50 anos depois de sua construção, Brasília apresenta o melhor IDH do país e os mesmos problemas que qualquer grande cidade no Brasil tem: pobreza, violência e corrupção.
Santa Marta em 9 de janeiro de 1967
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDiglGC4DCFXTOe8Cp9GzKsl3n_mjhpmGTnu_fgU8sSvYjz-q85Colts1VDg6_Z3ciYo-n74WwHy9cysott6RyiPtd6uv6035Z6aXWmN1TK_d47ry7SCX8PgzbHvCQbhAJHN8BIZUFj0k/s320/gal_santamarta03.jpg)
Fotógrafo: Gallo. Foto: Arquivo Nacional, acervo Correio da Manhã.
Naquela época, não existia UPP, Cristo pichado ou a cidade tomada pela fé evangélica, que levou 400 ônibus e um milhão de pessoas ao Aterro do Flamengo e parou a cidade no feriado de Tiradentes. Hoje, a civilidade é uma moeda de troca e não mais um valor que - supostamente - definiria o "ser" humano. A cada um, cabe a própria culpa pelo que fez ou não. Perdemos a inocência. Que haja, portanto, paciência entre nós, pois é o que resta.
Carta de compromisso
Aos que me acompanharem nessa jornada insaciável pela descoberta de si e de todos os outros brasileiros, só posso prometer uma coisa: ao final, teremos o mesmo sentimento de gratidão por uma História e um presente inesquecíveis, apesar da constante falta de memória.
Veja, leia e pense a partir de muitos outros olhares que (re)contam as histórias de nossa gente segundo diferentes pontos de vista. Trata-se, enfim, de um exercício de reflexão: somos cidadãos do mundo ou "caipiras"?
Apesar de morar na favela, penso como um "branco do asfalto". E muitos dos meus amigos da classe média pensam como os exemplos mais negativos da comunidade. Prometo esclarecer essas relações contraditórias entre muitas culturas e explicar um pouco mais sobre meu país e sua gente.
Meu ponto de vista é o de um favelado com muito orgulho de sua família e de sua trajetória pessoal. Eu estudo porque quero provar ao mundo que a favela é lugar de gente "bacana". Se você também pensa assim, colabore com o blog. Aguardo sugestões, críticas e seja lá o que for.
Veja, leia e pense a partir de muitos outros olhares que (re)contam as histórias de nossa gente segundo diferentes pontos de vista. Trata-se, enfim, de um exercício de reflexão: somos cidadãos do mundo ou "caipiras"?
Apesar de morar na favela, penso como um "branco do asfalto". E muitos dos meus amigos da classe média pensam como os exemplos mais negativos da comunidade. Prometo esclarecer essas relações contraditórias entre muitas culturas e explicar um pouco mais sobre meu país e sua gente.
Meu ponto de vista é o de um favelado com muito orgulho de sua família e de sua trajetória pessoal. Eu estudo porque quero provar ao mundo que a favela é lugar de gente "bacana". Se você também pensa assim, colabore com o blog. Aguardo sugestões, críticas e seja lá o que for.
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