quarta-feira, 28 de abril de 2010

Liberdade ainda que tardia


Até 2008, muitos dos morros cariocas eram inacessíveis ao pessoal que pratica escalada, mas, com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), os costões de favelas como Dona Marta, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, Cabritos e Chapéu Mangueira, por exemplo, voltaram a ser desafiados pelos aventureiros de plantão.

A vista lá de cima é deslumbrante. Quem já subiu depois da pacificação das comunidades da Zona Sul recomenda a escalada aos amigos, até porque a história era bem diferente na época dos traficantes. Os escaladores tinham que pedir permissão para enfrentar os paredões, e não era comum ficar no meio do fogo cruzado. Além disso, as vias tinham nomes relacionados ao crime e à violência, como Banda Podre, AR-15, Vietnã.

Os escaladores esperam que, com a pacificação chegando à Tijuca, será possível explorar os morros da Zona Norte, como o Turano, a Mangueira a o Salgueiro, de onde é possível ter uma vista bem diferente da cidade.

Aos interessados, uma dica importante: a melhor época para a escalada No Rio vai de maio a outubro, quando a temperatura é mais amena e os riscos de chuvas fortes e trovoadas são menores.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

As UPPs e o turismo

Hoje foi inaugurada a sétima Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio. A comunidade da vez é a Providência, na Zona Portuária. Segundo o governador Sérgio Cabral (PMDB), a paz na favela contribuirá para a revitalização dessa área da cidade.

No projeto, está prevista a instalação de dois teleféricos e um plano inclinado na região. O governador comparou a área portuária do Rio à Montmartre, bairro boêmio de Paris.

Curioso: em vez de valorizar a favela no que ela tem de particular, ou seja, suas vielas, seu povo, sua cultura, Cabral prefere compará-la a um bairro europeu que sequer tem vista para o mar.

O governador também aproveitou a inauguração para anunciar a chegada das UPP's ao bairro da Tijuca. As movimentações para ocupação da favela do Borel começam ainda nessa semana. Só falta ele dizer, na próxima inauguração, que a vista do Borel (de onde é possível ver o Maracanã, a Floresta da Tijuca e quase toda a Baía de Guanabara) se parece com o visual de Punta del Este, no Uruguai, só para atrair os turistas que gostam de cruzeiros por mares do Sul.

domingo, 25 de abril de 2010

Sobre chuvas e remoções

Ao lado, a Cidade de Deus em 1971. Fotógrafo: Desconhecido. Foto: Arquivo Nacional, acervo Correio da Manhã.

As recentes chuvas que provocaram centenas de mortes na região metropolitana do Rio e deixaram milhares sem ter ondem morar levaram o prefeito Eduardo Paes (PMDB) a defender as remoções. De acordo com a proposta, as pessoas que moram em áreas de risco seriam transferidas para terrenos onde serão construídos condomínios com apartamentos para a população de baixa renda.

Em 1966 e 67, duas enchentes históricas mataram quase 600 pessoas na cidade, todas vítimas da falta de planejamento urbano que contribui para a expansão das favelas. A Cidade de Deus, em Jacarepaguá, foi um dos empreendimentos construídos pelo poder público para alojar os desabrigados pelas chuvas.

Com o tempo, o que foi propagandeado pelos políticos como projeto de urbanização foi abandonado pelas sucessivas trocas de comando no governo local. Rapidamente, a Cidade de Deus tornou-se um inferno para os moradores, como mostra o filme homônimo de Fernando Meirelles.

Em artigo publicado ontem no jornal "O Globo", as pesquisadoras Mariana Dias e Cleonice Dias relativizam a necessidade das remoções, que já estão se tornando tema de propaganda política dos postulantes a algum cargo nas eleições desse ano. Para elas, "quando famílias são arrasadas em consequência da falta de política habitacional, a causa da tragédia torna-se óbvia e sua resolução urgente. A matemática é lógica: se a média de natalidade não está aumentando, por que o crescimento das favelas é maior que o crescimento da 'cidade formal'? Porque não há alternativas para moradia para pobres e a demanda se acumula. Famílias não optam por morar em área de risco porque são suicidas, mas porque não têm escolha".

Leia reportagem do site "Favela tem Memória" sobre a remoção da favela da Praia do Pinto, no Leblon, em meados dos anos 1960, e tire suas próprias conclusões sobre a eficiência da política de transferência dos pobres de áreas com alto potencial de especulação imobiliária para lugares vazios e sem infra-estrutura em transportes e serviços:

http://www.favelatemmemoria.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from%5Finfo%5Findex=6&infoid=84&sid=4

sábado, 24 de abril de 2010

Gringo na laje, parte II

Vizinha ao Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da Polícia Militar, a comunidade de Tavares Bastos é a mais tranquila do Rio de Janeiro. Serve de locação para filmes como "Tropa de Elite" e atrai muitos turistas estrangeiros em busca do "Brasil autêntico".

Foi na Tavares Bastos, também, que repórteres dos jornais "O Dia" e "Meia Hora" flagaram, em 2008, a ex-Mulher Melancia posando para a revista "Playboy".

Lá, existe um lugar chamado The Maze (o labirinto, em inglês), criado por Bob Nadkarni para servir como clube e pousada. Ele trocou o cinza da ilha britânica pela exuberância de cores do cenário carioca.

Os gringos sobem o morro para ter uma vista privilegiada do Rio e curtir um jazz. Na The Maze, rolam jam sessions memoráveis. A mistura é total. Há jovens da classe média, estrangeiros que querem voltar para casa dizendo que conheceram a favela - e, principalmente, o pessoal da comunidade.

Leia reportagem na revista "Palma Louca" sobre a noite musical na The Maze: http://www.palmalouca.com/artes/artes.jsp?id_artes=555

Clique no link abaixo e veja reportagem produzida pelo Afroreggae para ser exibida no Canal Futura:

http://www.youtube.com/watch?v=Vov4iLQ9Eww&feature=PlayList&p=3DFAD98BAF0A99B5&playnext_from=PL&playnext=1&index=12

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Gringo na laje


Para a pesquisadora Bianca Freire-Medeiros, autora de "Gringo na laje: produção, circulação e consumo da favela turística", publicado recentemente pela FGV, Michael Jackson foi o precursor de uma moda que tornaria a estética da favela valorizada internacionalmente.

No guia Lonely Planet, o passeio às comunidades é recomendado ("desde que as empresas garantam a segurança"). Entre nós, brasileiros, a favela é o quê? No livro, os próprios moradores afetados pelo turismo da "pobreza turística" respondem à pergunta.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A cidade-piloto e as cidades satélites

Por essa Niemeyer não esperava. Ao desenhar a planta de Brasília, a cidade modernista que JK levantou no meio do Planalto Central, o arquiteto não imaginava que, um dia, o terreno ao redor mancharia o símbolo de ordem e beleza com a desordem das cidades satélites, onde milhares de casebres abrigam uma população miserável.

50 anos depois de sua construção, Brasília apresenta o melhor IDH do país e os mesmos problemas que qualquer grande cidade no Brasil tem: pobreza, violência e corrupção.


Santa Marta em 9 de janeiro de 1967


Fotógrafo: Gallo. Foto: Arquivo Nacional, acervo Correio da Manhã.

Naquela época, não existia UPP, Cristo pichado ou a cidade tomada pela fé evangélica, que levou 400 ônibus e um milhão de pessoas ao Aterro do Flamengo e parou a cidade no feriado de Tiradentes. Hoje, a civilidade é uma moeda de troca e não mais um valor que - supostamente - definiria o "ser" humano. A cada um, cabe a própria culpa pelo que fez ou não. Perdemos a inocência. Que haja, portanto, paciência entre nós, pois é o que resta.

Carta de compromisso

Aos que me acompanharem nessa jornada insaciável pela descoberta de si e de todos os outros brasileiros, só posso prometer uma coisa: ao final, teremos o mesmo sentimento de gratidão por uma História e um presente inesquecíveis, apesar da constante falta de memória.

Veja, leia e pense a partir de muitos outros olhares que (re)contam as histórias de nossa gente segundo diferentes pontos de vista. Trata-se, enfim, de um exercício de reflexão: somos cidadãos do mundo ou "caipiras"?

Apesar de morar na favela, penso como um "branco do asfalto". E muitos dos meus amigos da classe média pensam como os exemplos mais negativos da comunidade. Prometo esclarecer essas relações contraditórias entre muitas culturas e explicar um pouco mais sobre meu país e sua gente.

Meu ponto de vista é o de um favelado com muito orgulho de sua família e de sua trajetória pessoal. Eu estudo porque quero provar ao mundo que a favela é lugar de gente "bacana". Se você também pensa assim, colabore com o blog. Aguardo sugestões, críticas e seja lá o que for.